Desvio

Abri os olhos.
Destroços. Fogo e cheiro de gasolina. Combinação desaconselhável.
Através do vidro quebrado, alguns pares de olhos observavam de longe. Preocupados, algum. A maioria em transe. "Vai explodir", disse alguém. Os preocupados se preocuparam ainda mais. Os que estavam em transe se deliciaram. Vorazes abutres do dia-a-dia.
Procurei por minha mulher. Não estava. A porta do passageiro aberta. Teria sido jogada pra fora do carro no momento da colisão? Olhei novamente os olhos lá fora. Os olhos dela estavam lá. Preocupados. Aflitos. Chorosos.
Um bombeiro disse algo em seus ouvidos. Ela explodiu em choro e desespero. Não podia ser coisa boa. Ele se aproximou. Me disse alguma coisa que não entendi. Estava completamente surdo. E a realidade se distorcia a todo momento entre a fumaça e a confusão mental.
Concordei, sem saber do que se tratava. Só queria sair logo dali.
Mais dois bombeiros vieram com uma parafernália. Começaram a serrar a porta. Cheiro de fuligem. Algumas faíscas ricochetearam em meu rosto. Tentaram me puxar, mas não conseguiram. Preso entre o painel e o banco. Tentei me mover, mas nenhuma parte do meu corpo respondia. A parafernália funcionou novamente. Cheiro de osso queimado. Agora sim, meu corpo foi retirado com uma relativa facilidade.
Minha mulher chorava, desesperada, enquanto eu lentamente me despedia de minha sanidade.